setembro 20, 2012

Recife, 20 de Setembro de 2012


Recife, 20 de setembro de 2012

Eu não gosto de falar sobre os ingleses. Eles me humilharam por causa da minha condição.
Eu era muito boêmio, gostava de frequentar orgias, beber, fazer sexo violentamente. Era muito sangue, muitas mulheres mortas e muitos homens nus. Como não havia prudência por parte de nossos amigos, não nos preocupávamos com nada disso, gostávamos mesmo era de uma boa festa regada a muito sangue e muito absinto. Vivíamos na escuridão, contratávamos prostitutas e nossas festas nunca foram de chamar muita atenção. Mas uma vez aconteceu de contratarmos uma mulher da corte inglesa. Na verdade não a contratamos, até porque ela não era prostituta, mas eu consegui seduzi-la, e foi ai que o problema começou.

“ você não pode me seduzir e de deixar ao relento, Etham, eu te amo. (...) vou dizer ao meu pai que você mancha as ruas dessa cidade com sua perversidade e suas orgias. – o pai dela era um duque da corte inglesa – se eu não posso ter você comigo, você vai viver na amargura, sua vida se tornará um inferno, não é assim que você gosta de viver? No inferno?(...)”

Nunca esqueci as palavras dessa vagabunda, isso ferve meu interior. Eu fiquei tão impetuoso que acabei destruindo minha sala aqui no porão, decidi que não iria mais escrever, rasguei as paginas do meu caderno e queimei todas suas folhas. Fiquei realmente furioso.

Mas sim, o que aconteceu foi: o duque veio infernizar a minha vida, literalmente. Fui acusado de homicídio, de vadiagem, obstrução a lei, desordem, desacato. Fui preso, me mandaram pra forca, fiquei lá durante horas. Não morro, né? Tive que fugir do país, escapar daquela escória. Fui até minha antiga casa ver se conseguia salvar alguns de meus pertences, mas assim que cheguei, fui perseguido novamente, botaram fogo em minhas coisas, e quiseram me queimar na santa inquisição, alegando que eu era um bruxo. Eu não sou bruxo, sou vampiro, as pessoas tem que entender essa diferença, e a propósito, eu não escolhi ser quem eu sou.

Depois desses fatos, viajei o mundo procurando algum lugar para me reestabelecer, continuar minha vida boemia, mas o duque colou cartazes a minha procura em toda a Europa, eu estava perdido. Passei 300 anos da minha lastimosa vida vivendo em vilarejos onde não havia candelabros, onde não havia pessoas. Cheguei a viver em cavernas com meus “parentes mais primitivos”. Me alimentei de ratos, morcegos, gatos  – não que tenha mudado muita coisa, por sinal – minha vida tinha realmente se tornado um inferno.

Depois desses 300 anos, consegui me atracar num navio que estava vindo para o Brasil, e por aqui fiquei por esses lados mesmo. Aqui era uma vida mais tranquila, tinham uns primitivos engraçados, umas mulheres com peitos de fora, e uns doidos com o pau pendurado, eles me pareciam felizes aquela época. Acho que eles eram enganados, vi uns portugueses trocando joias, espelhos por árvores, não é possível que eles não percebessem. Não acredito que eles fossem muito inteligentes, mas a espécie brasileira me surpreendeu muito, mudou demais desse tempo pra cá.

Vivi uns 250 anos aqui no Brasil, fui viver no Canadá, de onde sempre sinto saudades. Adotei como minha cidade natal. Minha estadia no Canadá foi maravilhosa, boa parte pelo menos, mas como todo mau vampiro, eu tive que estragar tudo e foder com toda a minha existência mais uma vez. Me acostumei com a minha paz nas vizinhanças de Alberta e resolvi trazer algumas mulheres e homens para algumas orgias. E como foi na Inglaterra, não deu certo. Mesmo os canadenses sendo receptivos, não foi legal ver cenas de sexo explicito sobre um banho de sangue. Pelo menos não me condenaram, só me expulsaram do Canadá. 
Mas um dia ainda volto lá.

Podia ficar escrevendo o dia todo, mas tenho que arrumar a bagunça que deixei de dias atrás, e ver como vou recuperar minha mobília. Estou até relaxando mais escrevendo esse diário, tinha que descarregar em mais algum lugar que não fosse nos móveis, nem tenho mais. Talvez volte a escrever quando terminar essa bagunça, ou quando arrumar coisas novas.

Etham Smith

setembro 09, 2012

Recife, 09 de setembro de 2012.


Recife, 9 de setembro de 2012.

É eu falei que só ia escrever na sexta, mas hoje estou eu aqui de novo escrevendo e hoje é um domingo real. Não um falso domingo como foi dia 7. Sábado chegaram meus livros que encomendei pela internet. Foi engraçado quando o carteiro viu o numero na parede, certeza que pensou que havia algum engano, não precisei nem ler a mente dele dessa vez. Estava estampado na cara dele, foi ai que ele tocou o sino para ter certeza. Tive que agir, entrei na mente dele e o coagi a deixar os livros escondidos numa moita aqui na frente. Quando não havia mais luz no céu nem gente na rua fui busca-los.

Comprei uns livros de uma tal de Anne Rice. Achei engraçado como ela relata a vida dos vampiros, naquele livro entrevista com vampiro. Se ela soubesse o que passamos realmente, o que ela relatou não foi nem um quarto do que passamos. Os outros livros eram apenas para aumentar meus conhecimentos na medicina, sei lá quando vou precisar usar de novo meus bisturis.

Depois que terminei de ler fiquei no tédio, pra variar. Mas o que fazer em época de tédio? Ler a mente das pessoas fica muito cansativo com o passar do tempo, ler livros também, quando eles terminam, claro. Fora que eu não preciso dormir então minha vida fica muito mais tediosa, até gostava de dormir, mas ai veio essa maldição infeliz e desde então não tenho mais sono. Minha sorte ainda é que eu tenho internet, que eu não sei usar muito bem, tá certo, aprender as coisas na minha idade é muito mais difícil, principalmente quando se viveu boa parte de sua vida num mundo sem essa internet.

Ah, eu costumava fazer muitas coisas na minha vida antes de ser infectado por essa maldita doença. Tudo bem que até tirei várias vantagens dela, e ainda tiro até hoje, mas na maior parte do tempo ela só me trouxe miséria, tristeza. Uma das piores coisas na terra é ser imortal, isso te torna impotente, desleixado. Tudo que você tem pra fazer, você pode fazer, mas depois, tem uma eternidade para viver, uma eternidade para fazer o que tem que ser feito. Conhecer pessoas e conviver com elas era o que eu mais gostava, hoje em dia não posso chegar perto de um mero mortal. Não é a toa que gosto tanto de ratos.

Eu moro no porão da minha casa, por isso as pessoas supõem que ela seja abandonada. Alguns moleques já vieram aqui para usar um tipo estranho de droga, eles chamam de pedra. É estranho, porque eu conheço o Crystal Meth e pra mim, eles reagem de outro jeito. Eu já usei e não fiquei como eles ficaram. Não gosto que invadam a minha casa, invadi os pensamentos deles e criei uma falsa ilusão que aqui existiam assassinos. Acho que eles não vêm mais aqui por isso. Ou sei lá.

Não gosto de chamar atenção, eu não saio na rua, evito contato carnal. Minha casa é organizada, a parte de cima não, até porque é assim que eu me alimento, mas onde moro é organizado. Tenho agua, luz, saneamento. Não tem uma teia de aranha sequer na minha parede, sou um morto organizado. Não é porque eu estou “morto” que minha casa precisa estar também, né?

Queria que esses meus investimentos na bolsa me dessem um pouco mais de grana. Só assim para eu poder voltar pro Canadá, eu não trabalho mesmo. Saudades de Alberta, era frio lá. Recife é um forno. Gostava de andar na neve, na época que morava lá tinha poucos vizinhos, e vizinhos cordiais, não vizinhos feito os ingleses, eu odeio os ingleses. Eles me tornaram o que sou hoje, são mais sujos que o homem que me tornou o monstro que sou hoje. Cansei, não quero mais escrever por hoje.

setembro 07, 2012

Recife, 07 de setembro de 2012


Recife, 07 de setembro de 2012

Minha vida é uma droga. Não gosto de dias como esse, parecem mais domingos, não que vá mudar muita coisa na minha rotina, mas domingo é um dia meio melancólico para mim. Eu sou um homem solitário, eu sei disso, mas minha vida não foi assim o tempo todo, eu me tornei uma pessoa assim com o tempo.  Decidi escrever sobre meus legados na terra para ver se me torno uma pessoa menos ranzinza e rancorosa, mas não creio que isso vá me ajudar. Sei que é moda entre os jovens de hoje criar blogs ou coisas do tipo, mas prefiro ser um pouco mais tradicional e escrever um diário.

Hoje tive um dia normal, normal para minha rotina, claro, pra quem ler isso algum dia pode até não ser. Fiquei na minha casa olhando para as pessoas na rua atrás de minha janela com “fumê”, na esperança de um dia conseguir entender o que se passa na cabeça delas. Na verdade, eu até sei o que se passa, mas entender é que fica meio difícil. Hoje elas passaram de uma maneira engraçada, com um humor um pouco mais patriótico pode-se dizer. Não sei se nacionalista de fato, mas ufanista com toda certeza.

“(...) meu recife pode até tá um pouco mal cuidado, tem casas abandonadas na minha rua, mas pelo menos esse ano um candidato veio até minha rua e falou que ia mudar isso(...) 7 de setembro é uma marca histórica para o Brasil,(...) acho que vou para o desfile esse ano (...)”

Foi algo do tipo que eu ouvi dos pensamentos de uma senhora que mora aqui na minha rua, e sim, essa casa abandonada que ela se refere é a minha. Minha vida não é muito boa afinal de contas, mas pelo menos tomo banho duas vezes por dia, se eu tomasse menos ia morrer de calor. Eu já não posso ficar na rua, já não posso abrir a janela, se eu não tomar banho não sei o que será de mim, se pudesse morrer eu certamente morreria de calor ou desidratação.

Eu não sou muito de escrever, mas talvez esse seja meu único meio de me comunicar com o mundo sem que eu precise entrar na mente das pessoas. Não sei... Sinto como se eu invadisse a casa delas tomasse seus bens. Evito o máximo que posso invadi-los dessa maneira, porém quando o tédio fala mais alto infelizmente não resisto. É como uma droga, mas nada disso se compara à minha decadência. Minha vida é uma droga, e eu acho que não vai adiantar de nada eu escrever essas baboseiras. Não vai mudar minha vida em nada, além disso, eu poderia estar fazendo outras coisas da vida, sei lá... lendo. Acho que essa foi a primeira e a ultima vez que escrevo. 

Adeus ilusão de amigo.

Etham Smith, ou seja lá como vão me chamar.